Entrevista: Operações Especiais na PMBA – Cap PM Boaventura

Para além do fetiche proporcionado pelo efeito “Tropa de Elite”, filme brasileiro que recentemente tornou célebre o Batalhão de Operações Especiais do Rio de Janeiro, o BOPE, as organizações policiais brasileiras precisam manter tropas preparadas para atuar em situações de alto risco, exigindo assim muito treinamento e equipamentos adequados para situações extremas. Com a proximidade de eventos de grandes proporções no país, como a Copa do Mundo de 2014, esta necessidade torna-se ainda mais imperiosa.
Na Polícia Militar da Bahia, a unidade responsável pelo desenvolvimento de ações de Operações Especiais é a Companhia de Operações Especiais (COE), atualmente vinculada ao Batalhão de Choque. A COE é comandada pelo Capitão PM Fábio Boaventura, Caveira 33 da PMBA, que foi entrevistado pelo Abordagem Policial e falou sobre a estrutura de OE da corporação, os preparativos para a Copa 2014 e sobre as características dos “caveiras”, ou, como prefere, dos homens de operações especiais:
Abordagem Policial – Em relação à capacitação e estrutura de Operações Especiais, como vai a Bahia em comparação com outras corporações no Brasil?
Cap PM Boaventura - A PMBA deu um salto muito grande na área nos últimos 3 anos, pois tivemos policiais enviados pelo Comando Geral para se especializar em outros estados da federação, bem como outros países. Em 2010 conseguimos aprovar o nosso Curso de Operações Policiais Especiais (COPES) para ser financiado pela SENASP, onde tivemos um investimento de R$ 480.000,00 em compra de equipamentos de proteção individual, equipamentos de mergulho livre e circuito aberto, embarcação, uniformes, munições e instruções para o curso em outros estados, além de aprovarmos um Projeto de Pesquisa na FAPESB referente a “Metodologias de Treinamento em Ocorrências de Alto Risco” com recurso disponibilizado pelo Estado no valor de R$ 85.000,00, onde adquirimos armas Air Soft e outros materiais.
Todos esses materiais adquiridos ficaram como legado para a nossa Companhia de Operações Especiais (COE). Concluímos no início desse ano o nosso IV COPES, onde somamos mais 19 caveiras em nossa subunidade e estamos desenvolvendo o 3º Curso de Ações Táticas Especiais (CATE). Entretanto, iniciaremos o nosso V COPES no final desse ano com previsão de 60 vagas, sendo 50 para o público interno e 10 para outros Orgãos de Defesa Social do país, bem como policiais estrangeiros, que já solicitaram vagas, pois esse ano estaremos internacionalizando o nosso curso. Acredito que com a criação e implementação de nossa Unidade, como está previsto no Plano Estadual de Segurança Pública – PLANESP, de forma emergencial, vamos evoluir ainda mais nessa área, tão importante para a Instituição, quanto o policiamento comunitário e outras modalidades de policiamento ostensivo. Pois os nossos objetivos devem ser os mesmos: “fazer cumprir as leis, proteger as pessoas, combater o crime e preservar a ordem”, porém cada modalidade com sua missão específica em prol de um bem comum – a paz. Vale salientar que em relação a outras corporações estamos alinhados e atualizados referente à doutrina, mas claro que existem algumas diferenças apenas em investimentos, onde observamos alguns grupos de operações especiais com equipamentos mais modernos e outros ainda obsoletos, cumprindo missões com “meios de fortuna”, situação inadequada para um efetivo que atua em situações cirúrgicas, sem espaço para improvisos.
Abordagem – Como andam os preparativos para a Copa do Mundo, que certamente exigirá logística e pessoal especializado na área de OE?
Cap PM Boaventura - Estamos especializando e capacitando policiais, além de adquirirmos equipamentos e materiais adequados que irão possibilitar o emprego, com autonomia operacional, de uma Unidade de Operações Especiais. Conseguimos enviar, através de nosso Comandante Geral, um Oficial para participar do Curso de Técnico em Explosivos na Escola de Investigação Criminal da Polícia Nacional da Colômbia. com duração de 15 meses, o que possibilitará à PMBA prestar um serviço de qualidade nessa área tão crítica durante a Copa do Mundo. Portanto, tenho certeza que estamos no caminho certo, pois estamos trabalhando para fortalecer os três pontos fundamentais para uma Unidade de OE: homem, treinamento e equipamento.

Abordagem – Como o senhor pode descrever a experiência de se tornar um “caveira”?
Cap PM Boaventura - Com certeza é tão difícil entender sem passar por um Curso de Operações Especiais quanto o de expressar e escrever o que é se tornar um “caveira”. Mas ter a caveira no peito é ser o possuidor de um certificado do Curso de Operações Policiais Especiais (COPES) que lhe dá o direito de ostentar um almejado pedaço de metal ou borracha em sua farda, prova material de que você superou inúmeras adversidades e obstáculos, que teve a oportunidade de conhecer todos os seus limites, e nem por isso lhe faz se sentir melhor ou pior que outras pessoas, mas lhe carrega de um sentimento capaz de certificar que juntos somos imbatíveis. Ser caveira ainda é muito mais que isso… é se propor a viver num estilo de vida diferente, respeitando valores e princípios, e isto lhe remete o dever de demonstrar personalidade, sabedoria e caráter nos seus atos, dando o melhor de si em tudo que se propor a fazer. Um verdadeiro homem de Operações Especiais deve sempre buscar a simplicidade das coisas para superar as adversidades impostas pelas situações complexas, e para se manter imbatíveis todos os dias eles se propõem a superar a si mesmos.
Para mim, o principal aprendizado no COPES não é o que vai fazer de você um exímio atirador, um mergulhador capaz, um paraquedista audaz, um componente de time tático ou de patrulha policial, um excelente operador urbano e rural; afinal, todo esse conhecimento pode ser adquirido por outros caminhos. O que o COPES proporciona de melhor é o aprendizado de que para se tornar um verdadeiro homem de Operações Especiais você tem de saber que o sucesso para superar todas as adversidades é manter-se sóbrio sempre, controlar seus medos e seus impulsos, agir com sabedoria e buscar a simplicidade das coisas. Cansamos de ouvir alguns “profanos” dizendo que no Curso de Caveira não se aprende nada, e, portanto, deixo de lado tudo que agreguei de aprendizado técnico e passo a expor “somente” as coisas que aprendi como lição de vida.
Aprendi que o orgulho não faz parte da essência do homem e que só o temos quando podemos ter; aprendi que as coisas devem ser feitas sempre com energia e dedicação para não precisarmos fazer duas ou três vezes; aprendi que por mais forte que seja a dor, eu não devo desejar que ela nunca mais volte, afinal, por mais intensa que seja a dor, o tempo irá curá-la e ela sempre será minha amiga e minha aliada, pois ela é o sinal de conexão entre o corpo e a alma, mas acima de tudo a certeza de que estou vivo; aprendi que Deus é o maior parceiro que existe, que jamais nos abandona e que sempre nos ajuda em todos os momentos, mas tive a certeza de que ele sempre faz a parte dele esperando que você faça a sua; aprendi que por melhor que alguém seja, ninguém é tão bom sozinho quanto todos nós juntos; aprendi que jamais, em tempo algum, podemos dizer ou sequer pensar que não somos capazes sem antes tentar, porque por mais impossível que possa parecer as coisas, permanecerão impossíveis até que alguém o faça, por isso então ao recebermos a missão sempre ouvimos: vá, veja e vença; aprendi que podemos viver e sobreviver de forma saudável se alimentando simplesmente das coisas que a natureza nos oferece, que nós precisamos comer para viver e não viver para comer; aprendi que se alimentar bem faz toda a diferença, mas que manter-se hidratado e descansado é tão ou mais importante para mantermos o corpo e mente sadios; aprendi que temos de cuidar bem dos pés e das mãos, afinal, é com as mãos que se empunha a espada ou a caneta para se vencer a batalha, e são nossos pés que nos conduzem pelos caminhos; aprendi o quanto é importante reservar alguns minutos do nosso dia para ficar em silêncio e deixar que o espírito permaneça dando voltas deliberadas sobre a matéria para reflexão; aprendi o quanto é importante manter-se bem condicionado fisicamente para carregar o seu corpo, armamento e equipamento, mas melhor ainda é estar bem para poder carregar um camarada que precisa de ajuda; aprendi que não podemos comparar nosso sofrimento com o dos outros, afinal ninguém jamais será capaz de mensurar as aflições sofridas por outra pessoa, por isso nos cabe apenas respeitar os sentimentos de cada um; aprendi que para conhecer os nossos limites temos de chegar até eles, e certamente isso me faz acreditar que eu sou muito mais capaz do que eu achava e ao mesmo tempo me faz muito mais cauteloso para nunca excedê-los.

Aprendi que sofrer por antecipação é tão medíocre como ficar pensando nas coisas negativas que podem ocorrer ou nas coisas que não temos controle, como as ações climáticas; aprendi que por pior que seja a situação em que nos encontramos precisamos sorrir ou fazer alguém sorrir, pois esta é uma excelente válvula de escape para não enlouquecermos; aprendi que só se conquista grandes vitórias se sujeitando a grandes derrotas, e que podemos aprender muito mais do que imaginamos numa queda; aprendi que sonhar é tão importante quanto lutar porque nos mantém acesa a vontade de buscarmos objetivos maiores, porém, a luta sem objetivo é em vão da mesma forma que os sonhos sem a coragem para lutar; aprendi que quanto mais engrandecermos aqueles que estão do nosso lado mais forte será nosso grupo e que críticas não são fofocas, pois estas não trazem benefício algum, já as críticas, essas sim temos que ter a grandeza de ouvi-las, processá-las e utilizá-las para crescer; aprendi que aprender com o erro dos outros é o melhor custo benefício do mundo, pois lhe custa apenas sapiência e lhe economiza tempo, sofrimento e dinheiro; aprendi que até a inveja pode ser positiva e nos servir de direção, primeiro porque não sentimos inveja do feio, do covarde ou do fracassado, segundo porque ela pode ser o agente iniciador de um sonho, portanto, temos de nos aproximar daqueles que temos inveja, mas precisamos nos libertar dela o mais rápido possível transformando ela em admiração antes que vire obsessão; aprendi que somente duas coisas em excesso não lhe trazem prejuízo algum, são elas: Respeito e Humildade, e que um dos poucos sentimentos que não lhe traz nada de bom é o ódio e o que liberta é o perdão; aprendi que não podemos desistir jamais dos nossos objetivos, afinal a dor é passageira, somente a glória e o desistir é para sempre; aprendi que por mais comandantes que você tenha, jamais alguém será capaz de comandar a sua felicidade e as suas ações, a não ser, é claro… você.
Aprendi que discutir não é uma queda de braço que se mede força e que discordar não é perder, e por mais inteligente que você possa ser é pouco provável que você sempre estará certo; aprendi que um dia ficaremos velhos e teremos de sentar com nossos filhos e netos para contar nossa história de vida, e se você não ousou, não lutou, não perdeu e não ganhou terá de contar história de outros ou mentir – que é pior; aprendi que quando estamos diante das maiores dificuldades não lembramos do nosso carro, da nossa casa ou da nossa roupa, mas sim do colo de nossas mães, do aconchego dos braços de nossas esposas e dos sorrisos inocentes de nossos filhos; aprendi que dividir é a melhor maneira para somarmos, e na adversidade a escolha entre o que é útil e o que é bonito não há o que se pensar; aprendi que as pessoas são livres para pensar e montar seus conceitos e pré-conceitos, por isso deixei de me preocupar com o que as pessoas pensam de mim e passei a me preocupar com o que eu penso de mim; aprendi que viver tudo isso nesse nível de intensidade não nos faz melhor, mas nos torna um bando de irmãos, pois temos a oportunidade de nos conhecer livres de todas as âncoras impostas pela sociedade, sofremos juntos e vencemos juntos, passamos a respeitar e admirar uns aos outros como realmente somos na pureza da essência; aprendi que vivemos numa linha muito tênue da legalidade e que por algumas vezes podemos desequilibrar e pisar fora da linha da legalidade, mas a linha da moralidade é uma estrada que jamais podemos parar nem no acostamento; aprendi que dia de pouco é véspera de muito, e que depois da tempestade pode ainda vir a enxurrada e às vezes a bonança pode demorar mais do que você imagina, mas por pior que seja a situação ela sempre mudará para melhor ou pior, portanto, esteja sempre pronto para o pior que jamais será pego de surpresa.
Aprendi que cada aprendizado é um conjunto de referências que se agrupam, umas achamos certos e outras achamos errado, porém, o mais importante é de cada aprendizado termos a sabedoria de tirarmos uma lição; aprendi que vitórias e derrotas fazem parte da vida, que podemos ser muito melhores do que nós mesmo imaginamos, basta apenas que estejamos dispostos a nos despirmos da vaidade e do individualismo para nos colocarmos dispostos a aprender; aprendi que a honestidade dos homens da COE é um fenômeno regulado por um controle que existe dentro de cada um daqueles que viveram tudo isso, porque a satisfação que algo desonroso pode lhe trazer nunca será maior do que prazer de dizer: “eu sou um homem de Operações Especiais!”. Por fim, entendi que Operações Especiais não é algo para se aprender, mas para se viver… Não nos formamos para ser caveira, nos formamos Homens de Operações Especiais.

Abordagem: Quais são os requisitos para que um policial conclua um curso de Operações Especiais?
Cap PM Boaventura - Acho que nas respostas da pergunta anterior estão os requisitos, mesmo que ocultos, necessários para a conclusão de um Curso de Operações Especiais. Vale salientar, que “um guerreiro é comparado ao aço. Sua disciplina assemelha-se à disciplina do metal que, para ser forjado, requer fogo, água e muitos golpes de marreta. [...] No treinamento policial, o fogo representa o preparo psicológico resultante do estresse imposto durante o treinamento. A água é a frieza e solidão à qual será submetido o aluno. Os golpes de marreta representam a superação física e proporcionam a quebra de barreiras psicológicas que, juntamente com o elemento fogo, expandem a compreensão do possível a um ponto antes não imaginado”. Esse é o objetivo do nosso curso COPES.
Abordagem: Num momento em que se fala muito em necessidade de bom treinamento para policiais, como justificar um curso que mais desliga do que forma alunos?
Cap PM Boaventura - Nós não desligamos, pois são os alunos que solicitam para ir embora do curso e nós não podemos obrigá-lo a continuar. É comum esse acontecimento, pois ocorre em todos os cursos de formação de operadores especiais, nacionais e internacionais. Recentemente, na TRU TV, canal fechado de televisão, exibiram um programa chamado “Em Busca do Soldado Perfeito: SAS”. Tratava-se de como o Special Air Service – SAS, Grupo de Operações Especiais Inglês, recruta seu operador: de 136 que iniciaram um processo seletivo de 21 dias de provas físicas, avaliando os candidatos em seus comportamentos diante do recebimento da missão, estando os candidatos totalmente desgastados fisicamente, restaram apenas 26 para iniciar o preparo técnico de 08 meses. Ano passado, no XXI Curso de Comandos em Operações Especiais, realizado na Polícia Nacional da Colômbia, o qual participei, iniciaram 65 alunos de diversos países, e concluíram 28, sendo que um colombiano faleceu depois de desmaiar durante um deslocamento em patrulha pela selva colombiana durante 07 dias. Esses cursos possuem uma formatação onde só consegue concluir quem se adapta à sua rotina de forma rápida e não tenha nenhum problema de saúde. Por exemplo, no III Curso de Ações Táticas Especiais – CATE que ora executamos aqui na COE, apesar de não ser um curso de operações especiais, se inscreveram 113 policiais, tendo o Departamento de Ensino convocado 53 após o processo seletivo, porém, 3 não se apresentaram, 6 desistiram após a aula inaugural proferida pelo Comandante do CPE, 7 desistiram durante a primeira prova, que foi um deslocamento em marcha com mochila, 3 apresentaram a Rabdomiólise e tiveram que ir para o Hospital, não sendo autorizados, pelo médico, a retornar para o curso, outros desistiram em 2 dias de instruções aquáticas com o Corpo de Bombeiro Militar da Bahia e hoje restam 15 alunos. Será que temos que tornar o curso mais “fácil” para que forme mais policiais, ou o objetivo é ter policiais cada vez mais preparados?
Autor: Danillo Ferreira - Tenente da Polícia Militar da Bahia, associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública e graduando em Filosofia pela UEFS-BA. | Contato: abordagempolicial@gmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário